Saturday, March 26, 2011

Solar.

Descrença, descontentamento, desolação... Sente-se tomado por uma porção de des.
Até encontrar, meio esquecido entre outros tantos, um des para mandá-los todos embora. Despedida.
Junto com ele vem um des meio triste, mas muito bonito. Desilusão. Que é um clarão abrindo espaços para a realidade.
Ai percebe que o desconforto, que é um comichão chato, pode ser melhorado mudando de posição. Fica descalço.
Descobre que quer voltar a caminhar, e segue buscando caminhos desimpedidos.
Rumo ao desconhecido.

"Para desentristecer, leãozinho, o meu coração tão só, basta eu encontrar você no caminho".

Friday, March 25, 2011

Carinho.

Doam a mão e os pés
e se preciso o piso que pisam
quando o podem, quando é possível.
Com o impossível, improvisam.
Assim são os bons amigos
mas com certeza, o que há neles
de mais querido, é o sorriso.

Friday, March 18, 2011

Mana.

"Panela ou colher?", a voz vem lá de dentro e chega antes dela, com as duas em mãos. Após o tradicional instante de dúvida, escolho a panela, já resignada com a tarefa de raspar na teimosia o doce quase inexistente. Uma provinha e endurece tudo, lá vou eu requentar a panela pra continuar a raspar.
Panela quente, semilimpa, pego o rumo da pia, encho-a de água e volto ao fogão. Tanto trabalho apenas pra simplificar a lavagem da louça, mais tarde, depois de dar conta da tigelinha com a parte que me cabe. Tudo assim, divididinho. Hoje ela cozinha e eu lavo, e nos duas comemos, cada uma em sua tigela, cada uma preenchendo um canto da casa.
Aqui é assim, desde sempre, as coisas todas compartilhadas, em nome da inteireza do afeto.

Isso até ela terminar a parte dela e vir meter o dedo no meu brigadeiro.

Monday, March 14, 2011

Temperança.

Não fosse a poeira e a idade pesando nas faces, seria possível pensar que ali o tempo não havia passado. A casa se desdobra em quartos e mais quartos usados apenas em visitas ocasionais - são filhos e netos reencontrando-se em lembranças, em objetos esquecidos e fotografias antigas.
É instigante tentar reconhecer o que ainda é o mesmo. Há uma lâmpada queimada desde o Natal passado e uma galinha que até engana - poderia estar ali há séculos, tamanha é a parecença com as antecessoras habitantes do galinheiro improvisado.
Ainda assim, quatro da tarde, avó e neta sentadas no sofá da sala trocando causos e histórias, os azuis do olhar de uma passeando pelos da outra com vigor e graça, é compreensivel confundir, por alguns instantes, moça com anciã.

Saturday, March 12, 2011

Vôo.

Existiu um tempo em que quis muito saber dançar pra receber música com cada pequena parte do meu corpo. Procurava em vão movimentos que me habitassem por completo em obediência fiel a cada novo som.
Às vezes ainda procuro, pelas noites, pelas antigas canções.
Mas há dias em que apenas sinto, sinto uma música que é mais sentimento que gesto, que me faz esquecer o mundo e o tempo ao ponto de, aqui ou aculá, um olhar desperto, um violino, um all star surpreender dancinhas muito minhas. Desajeitadas, descompassadas e, ainda assim, imensamente alegres.

Friday, March 11, 2011

Refazenda.

Quando eu era pequena amava tanto a chuva que sempre a trazia pra dentro de casa. Primeiro nos pés e roupas molhadas, depois nas janelas do quarto transgressoramente abertas. Um dia conheci as palavras, e a chuva veio chover nos meus primeiros versos.
Agora gripamos feito crianças, dessas que precisam de mil cuidados. Mil carinhos pra que o tempo e a chuva passem logo, que voltem as cores do céu, e que eu reencontre um pôr-do-sol pequeno, mas muito bonito, entre os pedaços de concreto que me invadem da janela. E tem chovido tanto que chego a esquecer como é bonito em sons, cores, sensações, sentimentos, significados e imensidões todo esse temporal lá fora e dentro de mim.

Tuesday, March 08, 2011

Silêncio.

"Também se aprende em silêncio."