Sunday, July 03, 2011

Espanto.

Ele nunca foi sabedor de constâncias, mas tinha o dom de conquistar sempres. Eu sou um.
Espero, construindo em mim mil tranquilidades, os compassos dele se acertarem aos meus. E ele aparecer assim, como quem nunca esteve longe, cheio de graças.
Então respiro fundo e, ainda mais que o de costume, me faço presente. Para não perder o instante, para não perder o rumo.
Eis que somos trapezistas, vivendo sempre um equilíbrio fino entre o salto, o encontro e o infinito.

Thursday, June 30, 2011

Retornar.

Perdi o ar, e nem lembro mais do que riamos tanto. Sei que foi nesse breve instante que mais senti sua ausência. Mais do que quando vi doer um mundo todo em mim, mais do que quando fui aprendendo a aquietar a dor.
Devo dizer, pelo bem da verdade, que todo esse ano quase sem você foi até um bocado feliz. É que abracei como destino a graça de ver as cores e coragens do mundo e a consequência disso é poder me sentir, cada vez mais, sempre mais, sem fôlego.
O ar retorna novo.
Você também.

Saturday, May 28, 2011

Pulsar.

No meu mundo,
passo pra trás também se diz Impulso.

Thursday, May 19, 2011

Nini.

Bastava tocar a maçaneta para que você abrisse a porta, então eu sentava no banco da cozinha e você coava o café de sempre que eu tomava sempre na mesma caneca, mais por apego que por falta de opção, e falávamos sobre as coisas mais cotidianas por todo o tempo possível.
Se eu viajava era você correndo pela casa em busca de qualquer objeto indispensável, em busca de tudo o que eu esqueceria, não fosse por você estar lá pra lembrar. Se eu gripava era suquinho pra lá, suquinho pra cá, e um carinho para cada dengo. Para as nossas impaciências, você era de uma paciência sem limite, um destaque em uma casa tão cheia de ânimos exaltados.
Há tempos você se foi e sua falta é apenas uma pontada ocasional, no peito e no juizo. Ainda assim, crescemos tanto nesses anos em que você era cuidado e carinho para todos os momentos do dia, que pensar em você há de ser, sempre, a paz e o porto de estar em casa.

Friday, May 06, 2011

Presença.

Escrevo mil escritos em bloquinhos, cadernos, guardanapos e papéis de pão.
Palavreio na minha cabeça, no branco do meu braço e no ainda mais branco da plama da minha mão.
Nas paredes, nas fotografias, nas nuvens do céu, desenho poesia.
Nos percursos dos automóveis e da passarada, arranhando o asfalto, decorando o alto dos prédios mais altos, meu canto ressoa baixinho.
No ar, no ouvido, na água, meu grito persiste até mesmo na ausência, quando cala.
E, ás vezes sim, em outras nem tanto, até aqui acontecem uns escritos meus.

É um jeito bom de existir no mundo.

Estação.

Eu vinha cheia de despedidas, com o mesmo olhar viajante, desses que vêem todo o mundo e ao mesmo tempo não vêem nada, quando esbarrei em mim.
Então agora agradeço aos vazios que tive, que me tinham causado tanta desalegria e desencanto, porquê essa mesma ausência doída acolhe intensamente cada bocadinho de achegamento.
Eu venho cheia de chegadas, com o mesmo olhar que abarca e voa.

...Talvez com uns bocados mais de azul.

Monday, May 02, 2011

Sampa.

Malas e outras bagagens, boas vindas esperadas e inesperadas, cozinhar, beliscar do prato alheio, lavar a louça e rir como se fosse sempre assim, trocar figurinhas e caretas, andar de trem, carro e metrô, andar a pé, e ter nas caminhadas o encanto do desconhecido.
Buscar coisas bonitas e descobrir que elas afastam o chão. Encontrar pessoas tão bonitas que aproximam o azul.
Voltar repleta de saudades e azuis.

Friday, April 08, 2011

Tempo.

"Cada coisa tem sua hora
e cada hora o seu cuidado."

Raquel de Queiroz.

Saturday, March 26, 2011

Solar.

Descrença, descontentamento, desolação... Sente-se tomado por uma porção de des.
Até encontrar, meio esquecido entre outros tantos, um des para mandá-los todos embora. Despedida.
Junto com ele vem um des meio triste, mas muito bonito. Desilusão. Que é um clarão abrindo espaços para a realidade.
Ai percebe que o desconforto, que é um comichão chato, pode ser melhorado mudando de posição. Fica descalço.
Descobre que quer voltar a caminhar, e segue buscando caminhos desimpedidos.
Rumo ao desconhecido.

"Para desentristecer, leãozinho, o meu coração tão só, basta eu encontrar você no caminho".

Friday, March 25, 2011

Carinho.

Doam a mão e os pés
e se preciso o piso que pisam
quando o podem, quando é possível.
Com o impossível, improvisam.
Assim são os bons amigos
mas com certeza, o que há neles
de mais querido, é o sorriso.

Friday, March 18, 2011

Mana.

"Panela ou colher?", a voz vem lá de dentro e chega antes dela, com as duas em mãos. Após o tradicional instante de dúvida, escolho a panela, já resignada com a tarefa de raspar na teimosia o doce quase inexistente. Uma provinha e endurece tudo, lá vou eu requentar a panela pra continuar a raspar.
Panela quente, semilimpa, pego o rumo da pia, encho-a de água e volto ao fogão. Tanto trabalho apenas pra simplificar a lavagem da louça, mais tarde, depois de dar conta da tigelinha com a parte que me cabe. Tudo assim, divididinho. Hoje ela cozinha e eu lavo, e nos duas comemos, cada uma em sua tigela, cada uma preenchendo um canto da casa.
Aqui é assim, desde sempre, as coisas todas compartilhadas, em nome da inteireza do afeto.

Isso até ela terminar a parte dela e vir meter o dedo no meu brigadeiro.

Monday, March 14, 2011

Temperança.

Não fosse a poeira e a idade pesando nas faces, seria possível pensar que ali o tempo não havia passado. A casa se desdobra em quartos e mais quartos usados apenas em visitas ocasionais - são filhos e netos reencontrando-se em lembranças, em objetos esquecidos e fotografias antigas.
É instigante tentar reconhecer o que ainda é o mesmo. Há uma lâmpada queimada desde o Natal passado e uma galinha que até engana - poderia estar ali há séculos, tamanha é a parecença com as antecessoras habitantes do galinheiro improvisado.
Ainda assim, quatro da tarde, avó e neta sentadas no sofá da sala trocando causos e histórias, os azuis do olhar de uma passeando pelos da outra com vigor e graça, é compreensivel confundir, por alguns instantes, moça com anciã.

Saturday, March 12, 2011

Vôo.

Existiu um tempo em que quis muito saber dançar pra receber música com cada pequena parte do meu corpo. Procurava em vão movimentos que me habitassem por completo em obediência fiel a cada novo som.
Às vezes ainda procuro, pelas noites, pelas antigas canções.
Mas há dias em que apenas sinto, sinto uma música que é mais sentimento que gesto, que me faz esquecer o mundo e o tempo ao ponto de, aqui ou aculá, um olhar desperto, um violino, um all star surpreender dancinhas muito minhas. Desajeitadas, descompassadas e, ainda assim, imensamente alegres.

Friday, March 11, 2011

Refazenda.

Quando eu era pequena amava tanto a chuva que sempre a trazia pra dentro de casa. Primeiro nos pés e roupas molhadas, depois nas janelas do quarto transgressoramente abertas. Um dia conheci as palavras, e a chuva veio chover nos meus primeiros versos.
Agora gripamos feito crianças, dessas que precisam de mil cuidados. Mil carinhos pra que o tempo e a chuva passem logo, que voltem as cores do céu, e que eu reencontre um pôr-do-sol pequeno, mas muito bonito, entre os pedaços de concreto que me invadem da janela. E tem chovido tanto que chego a esquecer como é bonito em sons, cores, sensações, sentimentos, significados e imensidões todo esse temporal lá fora e dentro de mim.

Tuesday, March 08, 2011

Silêncio.

"Também se aprende em silêncio."

Monday, February 28, 2011

Sabedoria.

Quando o Uirapuru canta
toda a floresta pára
quieta, calada
natureza escuta natureza encanta.

Thursday, February 17, 2011

Acontecimento.

É cada dia.

Thursday, February 10, 2011

Compasso.

Para cada novo disparo
há um sentir o caminho
visão de uma vasta estrada
sonho composto ao som
do sopro suave da flauta
guiando passos pelo tempo
que marca mais um começo
sem certezas de destino
além da fé na caminhada.

Friday, January 28, 2011

Amor.

Para compreender como é possivel encontrar tanta beleza em cantos que conhecem tanta guerra, como consigo estar no céu mesmo de dentro do meu pequeno quarto cubicular. Como os homens passam pela história e a história passa pelos homens, vaga-lumes no firmamento da memória. Como meu café preto puro simples tem o sabor da alegria mais leve, como música antiga pode ser a companhia mais presente. Compreender que não é preciso compreender tudo para sentir e saber.

Amar e mudar as coisas me interessa mais.

Amor.

Chove lá fora, e eu tenho uma porção de coisas pra aprender.

Monday, January 24, 2011

Grito.

Grave instante
chega grande
bate em cheio
e do meu peito
se espande
tão ligeiro
que vou junto
sem receios
até sermos
som e eu
contínuo pulso
do mundo.

Monday, January 17, 2011

Princípio.

Reconhecer novos sentidos nas mesmas coisas
viver novas coisas com antigos sentidos
renovar sempre as coisas, sentidos e destinos.
Eis um bom caminho.

Saturday, January 08, 2011

Estrada

O ano terminava e éramos uma família viajando, Cento e cinquenta e oito anos compartimentados em um pequeno veículo, livros, amigos, redes e chocolates na bagagem, música por todo o caminho, presentes e bons pensamentos de natal. Parece pequeno, apertado, desmovimentado. Não é. É que quando estamos assim, estradeiros, os destinos de ida e de volta todos verdes, a boa vista à frente e pelo retrovisor, o sentimento viaja e compreende todo o mundo. O mundo além de tempos e distâncias. Felicidade adiante, alegria no retrovisor. O ano começa e somos uma família viajando.